É preciso se alimentar para que a vida continue, e por isso, nada, além disso, que Mateus pegou seu casaco, cobriu os ombros e saiu naquela noite de primavera. A idéia era chegar à única lanchonete da cidade que estaria aberta. Todo domingo era igual, oito horas da noite e não se encontrava ninguém nas ruas daquela cidade. Mateus pensava que se estivesse no velho oeste veria um monte de feno seco rolando ao lado de uma bota furada de bala. Não era o caso. A cidade era uma dessas do interior onde as pessoas têm famílias e coisas há fazer num domingo à noite, como assistir ao Fantástico ou Silvio Santos. Mateus não assistia televisão.
“O casaco veio a calhar” – pensou.
Caia uma fraca garoa, e enquanto andava, podia ouvir sua fraca respiração misturada àquele ensurdecedor silêncio. Era um dia para se andar e pensar, ele sabia, mas tinha fome, e sua vida precisava continuar.
Ao chegar à lanchonete cumprimentou os dois atendentes que jogavam cartas, quase caindo de sono sobre elas, não havia outros clientes. Logo a atendente veio, poderia ter ser mais ágil, mas tinha seu charme.
- O que você vai querer?
- Para começar, o cardápio – disse Mateus sorrindo e esticando a mão ao cardápio embaixo do braço da moça, e completou – se isso não te incomodar.
Ela sorriu e passou o cardápio Não era incomodo, ela tentou dizer, apesar de sua cor rubra.
Folheou a carta, a primeira coisa que viu foi a lista de whiskys, ou seja, o nome dos dois disponíveis. Lembrou-se novamente do velho oeste, do feno e das botas. Planejou depois vir ali para pedir um cowboy. Agora ele queria um chopp.
- Do mais gelado que tiver, por favor.
E assim veio, o chopp com o copo coberto de gelo. Enquanto bebia e esperava o lanche o gelo ia derretendo. Se esperasse demais o chopp ficaria aguado, mas a noite, apesar da garoa, estava quente e foi um prazer tomar todo aquele chopp.
De repente, algo aconteceu. Talvez o efeito da bebida, talvez não. Mateus tinha certeza que alguém o estava observando. Olhou para o lado, para trás, para o balcão e ninguém estava ali. A atendente e o balconista estavam na cozinha.
“Tenho que comer algo, deve ser fome”.
Esperou dez minutos, brincando com a bolacha do chopp toda molhada, quando chegou o seu lanche. Devorou em minutos, nunca tinha sentido tanta fome. Nunca se sentiu tão satisfeito. Mas ainda sentia que estava sendo olhado.
Foi até o caixa e pagou a conta.
Ao sair foi chamado de volta, olhou assustado, enquanto a charmosa garçonete segurou seu rosto e disse aos prantos:
- Por favor, Mateus, acorda! – e selou o pedido com um beijo quente e molhado.
Mateus então acordou...